segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Dicionário de compositores da música clássica

Você não acha chato ter que decifrar sempre a pronúncia daqueles nomes estrangeiros dos compositores? Ou não rir com aqueles sobrenomes em português que parecem tão infames? Pois bem, aqui está o verdadeiro significado dos sobrenomes de vários compositores conhecidos no Brasil e no mundo. Alguns você provavelmente já deve ter imaginado. Outros, talvez não. Divirta-se!

A
Adès - O único compositor que tem Soyforce.
Albinoni - Homem muito alto que não produz melanina.
Almeida Prado - Antiga farmácia de manipulação.

B
Bach - 1. Interjeição de desgosto: Bach! Esta cerveja é horrível! 2. Botequim, estabelecimento onde se servem bebidas alcoolicas: Fui pro bar tomar um Chopin*.
Barríos - Plural de barril.
Beethoven - Vocativo utilizado para chamar um Beatle.
Biber - Jovem cantor canadense de música pop.
Bizet - Marca extraterrestre de chocolates.
Bononcini - Resposta sobre atividades cotidianas de lazer:  - Tem programa hoje à noite?  - Sim, Bononcini.
Boulez - Criei, inventei: Boulez um plano infalível!
Brahms - Marca de cerveja.
Broschi - Uma pequena froresta.
Byrd - 1. "Pássaro", em inglês. 2. Integrante de uma extinta banda estadunidense de rock.

C
Cabezón - Cabeça muito grande.
Cage - 1. Alimento feito a partir do leite coalhado. 2. Famoso ator de Hollywood.
Caldara - Fizera uma calda.
Carissimi - Superlativo de caro: Esse violino é Carissimi!
Casadesus - Estabelecimento de saúde pública.
Certon - O mesmo que correton: Que bom que tudo deu Certon!
Charpentier - (Fr.) Profissional especializado no penteio de chá.
Chávez - 1. Famoso personagem de seriado mexicano. 2. Ex-presidente da Venezuela.
Chopin - 1. Bebida de teor alcoolico leve, similar à cerveja, de baixa fermentação. 2. Diminutivo dessa bebida.
Cimarosa - Advérbio de lugar relacionado a cores: Embaixo é azul e em Cimarosa.
Codax - Marca de equipamento fotográfico.
(Saint-)Colombe - Navegante genovês, descobridor do continente americano.
Copland - 1. País cheio de copos. 2. País cheio de policiais.
Cui - Grito emitido pelo porquinho-da-índia.

D
Debussy - Curvei para baixo: Me Debussy sobre a janela e caí.
Desprez - (Inf.) Triste, desanimado: Hoje acordei Desprez.
Dowland - Ato de transferir um arquivo armazenado na internet para um computador.
Dukas -  (Inf.) Muito bom, excelente: Esse disco é Dukas!

E
Encina - Terceira pessoa do presente do indicativo do verbo encinar: Ele encina alaúde.
Enescu - Entidade da ONU para a educação, ciência e cultura.

F
de Falla - Relativo à fala, ao discurso; oratória.
Fauré - Revesti, cobri: Fauré o chão com jornal quando fui pintar a casa.
Fasch - Feixe: um Fasch de lenha.
Flecha - Arma de longa distância, constituída por um bastão (geralmente de madeira) terminado em uma ponta de metal, e que é lançada com o auxílio de um arco.
Franck - Sincero, honesto: vou ser bem Franck com você.
Frescobaldi - Balde em baixa temperatura.
Fux - (estr.) Expressão chula oriunda da língua inglesa: Fux you, I won't do what you tell me!

G
Glinka - Marca de salgadinhos.
Gounod - Solavancou, mudou repentinamente de direção: A primadona não chegou a tempo porque o carro dela Gounod.
Guerra-Peixe - Conflito com torcedores do Santos.

H
Hahn - Interjeição utilizada, entre alguns casos, como afirmação ou indicativo de que se está prestando atenção: Hahn, então você se formou em Agronomia!
Händel - Entregou-se, desistiu: A Alemanha se Händel aos Aliados em 1945.
Hasse - Expressão utilizada em hipóteses pouco prováveis: Hasse eu ganhasse um milhão agora...
Haydn - Expressão de angústia e autopiedade: Haydn mim!

L
Lassus - Plural de lassu.
Ligeti - Expressão utilizada para indicar que se conhece determinado escritor alemão: Eu Ligeti quando estava na escola.
Liszt - Quantifique, enumere: Liszt todas as minhas qualidades.
Lobo de Mesquita - Muçulmano fanático.
Locatelli - Franquia italiana de locadoras.
Lotti - Determinada quantidade, demarcada, de produtos ou terreno.
Lully - Ex-presidentty do Brasil.

M
Machaut -  1. Másculo, viril: Nossa, como ele é Machaut! 2. Do sexo masculino; ant. de fêmea: O bode é o Machaut da cabra. 
Mahler - Expressão utilizada pelos pais para controlar o que seus filhos podem ler ou não: Faz Mahler esse livro aí, menino!
Marais - Movimento de avanço e retrocesso das águas do mar: A Marais sobe toda lua cheia.
Massenet - Peça giratória que, junto com a fechadura, é usada para abrir e fechar portas.
Mendelssohn - Expressão utilizada para indicar sonolência: Aquela aula de física Mendelssohn.
Messiaen - Para os antigos hebreus, o salvadoren de seu povo.
Meyerbeer - Marca alemã de cerveja.
Milhaud - 1. Espécie de cereal: O Milhaud é o alimento favorito da galinha. 2. Diminuiu, menosprezou: Ela mil Milhaud!
Monteverdi - A torcida do Palmeiras.
Mozart - Garota, mulher jovem: Mozart, sua etiqueta está aparecendo.
Mudarra - Mover-se, não permanecer no mesmo estado: Vamos nos Mudarra.

O
Offenbach - Ato de ofender um botequim ou BACH*.
Orff - (Estr.) 1. Desligado, em surdina: Falou a mim em Orff. 2. Com desconto.

P
Paganini - Criança pagã.
Pärt - Um pedaço, uma seção do todo: Essa Pärt não me cabe.
Penderecki - Advérbio de lugar utilizado para indicar onde se pendura: Penderecki o seu casaco.
Poulenc - Ato de colocar lenha: Como ela gosta de Poulenc na fogueira!
Puccini - Para o cinema: Vamos Puccini?
Purcell - Em direção ao céu: Alguém tão bom só pode ir Purcell.

R
Rachmaninov - Modelo russo de cômoda.
Rameau - Galho ou feixe: Te trouxe um Rameau de flores.
Respighi - Espalhe-se em gotas: Vou sair antes que a chuva Respighi.
Rossini - Marca de macarrão.

S
Salieri - Recipiente usado para se levar o sal à mesa.
Sanz - Salvas, de boa saúde.
Satie - Tecido fino e brilhante, usado para confeccionar fitas.
Scarlatti - Cor vermelho-escura, muito utilizada em cosméticos.
Schubert - Indicativo de proximidade de um sapato.
Sibelius - Quem nasce na Sibélia.
Sor - Estrela do nosso sistema planetário.
Stockhausen - (Estr.) Do inglês, armazém.
Strauss - Vidro polido como brilhante, muito usado em bijuterias.

T
Tallis - Afirmação de lugar: Seu cavaquinho Tallis.
Tartini - Algo ligeiramente tarto.
Tchaikovsky - Família russa de tambores japoneses.
Tellemann - Homem que trabalha com telemarketing.

V
Varèse - Rompimento dos vasos sanguíneos.
Verdi - Da cor da grama.
Vidal - Relativo à vida.
Villa-Lobos - Alcateia.
Vivaldi - Afirmação de que se viu alguém chamado Valdi.

W
Wagner - Antiga companhia aérea.
Weill - Ant. de jovem; (para pessoas) ancião, (para objetos) antigo.
Webern - 1. Indicativo de boa visão: Como seu filho Webern! 2. Marca de produtos para construção civil.

E então? Qual o seu compositor favorito? Ele não está aqui? Então ponha a tradução do nome dele nos comentários! =3

sábado, 4 de outubro de 2014

18 de julho de 1859

A sala amarela
O pasto
Aqui e ali transitavam moscas
Media-se o céu com os olhos
E no chão as gotas de distância

Era verão
O ar se estendia qual mortalha sobre os campos
Fardas e homens voltavam aos seus lares
Comigo estava Cronos

No pasto
Por onde transitavam moscas
Comigo durante anos sustentando o céu
E no chão os passos doíam como anêmonas
Os chifres do gado recolhiam
As lágrimas da madrugada
Que ainda hoje desejam
As ondas

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Darius Milhaud ou o esclarecimento

Confesso que, como amante de música antiga, ainda torço um pouco o nariz ao receber folders do Camerata Aberta e seus convidados de Paris. Não há ser humano que não tenha ao menos um preconceito - e, no meu caso, ele se ligava à chamada música contemporânea. Ora, se o meu ideal de mundo perfeito não corresponde ao mundo em que eu vivo, obviamente o de música perfeita também não corresponde... certo? Certo, mas... o que é música perfeita?

Meu professor de guitarra defende que a arte deve ser bela e agradável. Como ele diz, algumas músicas não são belas, mas são interessantes. Outras não servem nem pra pular. Concordo plenamente, e poderia começar a listar agora todas as que não servem nem pra usar o CD como porta-copo. Mas - e eu acho que em parte por causa da diferença de idade - nosso conceito de 'interessante' e 'belo' é diferente. Amo Vivaldi, mas também gosto de Arrigo Barnabé. Quem é belo?

Bom, ao menos de peruca, acho que Antonio Vivaldi ganharia o concurso (haha!). Mas como comparar coisas tão diferentes quanto, digamos, um Stabat Mater e Clara Crocodilo? E aí vocês me perguntam: mas você não disse que não gostava de música contemporânea?

Não estou aqui para definir o que é arte e o que não é, nem o que é beleza. Existe beleza na simplicidade, na complexidade; em uma letra de rap ou em uma ópera de Puccini. No entanto, na arte como em outras áreas, existem padrões considerados aceitáveis pelo público comum e outros que nem tanto. Qualquer pessoa reconhece a Gioconda como uma obra de arte, mas poucas (e aqui eu não incluo os admiradores de arte) reconhecem um Kandinski abstrato ou mesmo as colagens de Max Ernst. Mas, quando se deixa levar pela intuição, nem sempre se escolhe o que é considerado belo, ou bom. Quanto à música, no meu caso, me sentia um pouco culpada por gostar de obras que, para boa parte das pessoas, não eram nem ao menos arte.


'Lotus: Zone of Zero', instalação de Kimsooja em Bruxelas, 2008. Cortesia do site da autora.


Por isso volto ao início do post: ainda torço um pouco o nariz ao ver os folders do Camerata Aberta e seus convidados de Paris. É uma reação instintiva, automática. Em parte um pouco de raiva por não saber improvisar nem sobre harmonia tonal, confesso! Mas, quando resolvi buscar ouvir, sozinha, um dos compositores que fazem parte de seu repertório, descobri um mundo completamente novo, de sensibilidade e refinamento incríveis; poucas obras me provocaram uma reação emocional tão forte quanto as canções do ciclo Alissa, de Darius Milhaud.

Milhaud teria mais de cem anos se estivesse vivo; no entanto, suas músicas ainda são executadas por grupos de música contemporânea ou em concertos alternativos. É engraçado que mesmo os dodecafonistas, mortos, em sua maioria, no começo do século passado, ainda sejam considerados 'recentes'. São, quando se trata de história da música, mas assim parece que não temos compositores vivos. Enfim... onde estávamos?

Ah, sim: Darius Milhaud. Nascido em Marselha em 1892, morreu em 1974. Suas obras mais conhecidas são seus balés, como A Criação do Mundo (La création du monde, 1923), O Boi no telhado (Le boif sur le toit, 1919) e sua suíte de danças Saudades do Brasil, de 1921. No entanto, ele foi superprolífico, e escreveu mais dezenas de sinfonias, concertos, peças de câmara, óperas e arranjos das mesmas peças para instrumentos diferentes. Características jazzísticas e pitadas de Debussy são, ao menos para mim, o seu charme. Vale a pena lembrar que Milhaud era judeu e escreveu uma cantata fortíssima, Castelo do fogo, em memória dos judeus mortos na Segunda Guerra Mundial. (Infelizmente não achei vídeos.)

Primeira parte de 'Saudades do Brasil' pela Sinfônica da Unicamp


O ciclo a que me refiro, Alissa, foi escrito em 1913 e revisado em 1931. Conheci por acaso, comprando o disco sem nem saber do que se tratava, só por ver o nome 'Milhaud' na capa e lembrar que eu sempre tinha evitado ouvir qualquer coisa dele (lembra dos folders?). Baseado em trechos de 'A porta estreita', de André Gide, conta a história de dois primos - Jérôme e Alissa, ela sendo a mais velha - que fazem um juramento de amor quando ainda crianças; no entanto, a mãe de Alissa - tia de Jérôme - foge com um amante e ela, somando o incidente a um fanatismo religioso em desenvolvimento, passa a rejeitar qualquer forma de amor, apesar de ainda amar profundamente seu primo, que rejeitou o amor de sua irmã Juliette por acreditar que deveria se casar com ela. O enredo é bem mais comprido, mas enfim, falemos das canções.

A versão original de Alissa tinha mais de uma hora, e eu gostaria de saber como era. Milhaud, na época da  revisão (e já casado com sua prima, diga-se de passagem), a encurtou e, segundo suas próprias palavras, a tornou mais melódica. De fato, em poucos lugares ouvi tão bom uso de melodia e contraponto para criar atmosferas ou estados de espírito diferentes. As cartas e o diário de Alissa, onde ela demonstra seu conflito entre o amor que ainda sente por Jérôme e seus medos e bloqueios autoimpostos (pelos quais, em forma de doença, vem a morrer), são impressionantes. Me emociona muito a maneira como, em segundos, Milhaud consegue passar de absoluto desespero para o amor mais puro e sublime. A interação entre piano e voz - onde, às vezes, o piano é quem 'sente' o texto - também são espetaculares.

O ciclo de canções Alissa, bem como toda a obra de Darius Milhaud, foram para mim a prova de que a ignorância nunca vale a pena.

Disco do dia:

MILHAUD: Alissa, L'amour chanté, Poèmes juifs
Carole Farley, soprano
John Constable (sim, o cravista), piano

NAXOS
1992

Pode ser ouvido inteiro aqui no Spotify. Aproveite e ouça as outras canções que não incluí aqui, como o ciclo Amor cantado (minha tradução tosca de L'amour chanté), sua última obra para canto e a mais impressionista (apesar de eu não gostar desse termo) do disco, onde o lado trovador de Milhaud se revela em poemas de épocas tão distintas quanto o século XII e o XIX.
Boa semana a vocês! Me empolguei!

domingo, 21 de setembro de 2014

O gato

Franz Marc, Três gatos, 1913
 
 
 
     O silêncio de um gato: o universo. Suas linhas esguias, seu porte elegante, são a vontade de Deus. A sobriedade não é mais sóbria que um gato; tampouco a honestidade é mais honesta. O sono de um gato é o limiar entre o céu e o inferno. Seu sorriso: vida absoluta. O miado de um gato é a decisão suprema; seu ronronar, a paz de Deus. Os egípcios antigos tinham o gato como animal sagrado; o gato se sente sagrado até hoje. Sua amizade é mais sincera que a de muitas pessoas; seu sim é sim, seu não é não. Não se pode convencer um gato, nem se pode impedi-lo de fazer nada. O gato é dono de sua própria verdade: se aceita as leis humanas, é por compaixão. O sol é seu servo; a noite, seu reino.
    Suas orelhas finas, as garras, as patas, são a perfeição divina. Os olhos do gato: terrível força e inocência suprema. Não sabemos de onde eles vêm, nem para onde eles vão; eles sempre sabem os caminhos de todos. E, mesmo assim, são frágeis e sós, capazes de, por alguns momentos, esquecerem sua suposta onisciência e procurarem abrigo - na noite, em um colo, um sofá, uma mãe - vagando eternamente como as almas que são, nunca nossos mas também nunca completos: a angústia de um gato é o maior dos sofrimentos, seu terror é o desespero eterno.
    Eternidade: a pátria do gato. Pois todos os dias centenas morrem nas ruas, casas e abrigos; às vezes em pavor faminto, outras em incrível beatitude, e sempre permanecem, seus sorrisos, olhos e músculos gentis, em cada átomo de companheirismo que persiste em se aproximar. Às vezes, em contemplação, o mundo sussurra seu nome; é ele que os gatos ouvem, e apenas eles entendem, pois o mundo também é um gato.
 
 
R.I.P. Robin
 
2009 - 2013


segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Ninfas do metrô ou como embelezar o mundo, por Josquin Desprez

(Esse texto é de maio desse ano.)

Se você vive no Hemisfério Norte, provavelmente está feliz com a primavera - pássaros que catam, zéfiros gentis et caetera. Mas se você vive no Sul, e esse é o meu caso, então é outono, e, ao menos aqui no sudeste do Brasil, as folhas e a temperatura estão caindo. Não chove aqui em São Paulo faz meses, mas aí é outra história.

Confesso que o outono é a minha estação favorita - a não ser que não pareça outono. É a estação dos cappuccinos, espressos e todas as outras bebidas com nome italiano e café. Também é a estação dos bolinhos de chuva, um dos meus petiscos favoritos - de preferência feitos por minha mãe em um dia chuvoso, mas benvindos a qualquer hora de qualquer dia.

E também é a estação da música. Mais propriamente, música renascentista. Nada é melhor do que ouvir as peças para alaúde de John Dowland ou Francis Cutting num dia nublado e melancólico de outono. Recomendo.

Mas esse ano meu coração foi conquistado por outro cara, e o nome dele é Lebloitte. Josquin Lebloitte. Não sabe quem é? Bom, ele também podia ser chamado de Jodocus Pratensis, ou Jossequin des Près, ou, ainda, Josquin Desprez - essa é a forma como ele é conhecido hoje em dia e, para mim, nenhum desses nomes traduz o GRANDE compositor que ele era. E, quando eu digo grande, quero dizer grande, grande mesmo.

Desprez foi um compositor belga nascido no fim do século XV (c. 1450). Ele morou na França e morreu lá, em 1527. Seu trabalho como compositor sacro e de corte é tão extenso que eu não tenho como abranger aqui, mas ele ficou mais conhecido por suas missas, motetos e canções. E há uma razão para isso - o cara entendia tanto e usava tão bem a voz humana que não soava apenas humana. As texturas e cores em sua música coral soam fantásticas, se não perfeitas. Depois de ouvir qualquer missa composta por ele, você com certeza vai querer entrar em um coral. (Eu fiz isso.)

Então, se você está preso no trânsito ou sendo espremido no metrô, essa é a trilha sonora perfeita. Olhe para as árvores e as nuvens enquanto escuta sua Missa Pange Língua, baseada em um hino de Santo Agostinho ('Cantai, ó língua, os mistérios da carne gloriosa...'). Cenas cotidianas, como crianças voltando da escola ou brigas de cachorro, ficam tão etéreas. Além disso, se você prestar atenção em cada linha melódica (que são muitas) em qualquer de suas obras, é uma viagem a outro mundo. Tentar encaixar cada parte em um pedaço da sua memória e depois transcrevê-las é um ótimo exercício para quem estuda música.

O que eu mais amo no Desprez são suas canções. Baseadas em poemas que ele mesmo ou outras pessoas escreveram (como o famoso Anônimo), falam de amor na maioria das vezes - amor perdido, amor impossível, amor desesperado, amor cozido, amor com fritas etc. Típico, afinal isto é a Renascença. Também típica de sua época é a pintura musical - fazer as palavras soarem como elas descrevem. Desprez era mestre nessa arte que produz resultados incríveis. Em Coeur langoreulx ('Coração pesaroso'), cada palavra de lamentação, como chorar, suspirar et caetera, soa como um lamento, em todas as vozes, de alguém cujo pesar só pode ser curado com amor. E, quando a voz principal canta 'rejouys toy, car ta belle maistresse/par sa pitié te veut donner liesse/joie et plaisir pour te reconforter', que quer dizer, aproximadamente, 'Regozija-te, pois tua bela senhora apiedou-se de ti e te dará a felicidade, alegria e prazer para te reconfortar', a música passa a ser feliz e esperançosa, confortavelmente resolvida em 'pour te reconforter'.

Prometo, não vou mais ficar falando. Em vez disso, deixo aqui uma playlist de Desprez para vocês.

Petite camusette, uma das minhas favoritas pelo Desprez na minha interpretação favorita pelo Ensemble Clément Janequin (perdão, Hilliard Ensemble, amo vocês também). Se você não entende francês, pelo amor de Deus, não procure a letra, que é muito besta.

Si congié prens Se eu me despedir de meus belos amores...
'Kyrie' e 'Gloria' da Missa Pange Língua
El Grillo. Uííííí, uma musiquinha feliz. Todo coro faz essa algum dia!
Douleur me bat A única música que eu conheço em que o eu-lírico pede para ser decapitado no final.
'Nymphes des bois' (Ninfas dos bosques), um lamento sobre a morte de seu colega compositor Johannes Ockenghem
Tenez moy en vos bras 'Segura-me em teus braços, amiga, estou doente, teu amor me curará.' É.


Esse é o Josquin. Ele não era lindo? Ou, ao menos, foi o que o retratista dele achou.
 
 
Tenha uma noite musical!

 

domingo, 14 de setembro de 2014

Cantochão

Estudando, esses dias, comecei a ler sobre música medieval. O que é, como soava na época? Já que eu adoro música antiga, já tinha alguma coisa á respeito na minha coleção. E aqui eu quero compartilhar com vocês o que eu considero a forma musical mais clara: o canto gregoriano, ou cantochão.
Isso é, música sacra - ou, melhor dizendo, música sacra católica. O cantochão começou a ser usado no século 9 e até hoje é usado em algumas igrejas. Se você ouvir com atenção, vai perceber que soa bastante como música do Oriente Médio. Isso ocorre, primeiro, por conta das Cruzadas - quando os muçulmanos de vários países, principalmente do norte da África - na época chamados de 'mouros' - invadiram a Europa e vice versa (isso aqui não é um blog de história, façam o favor de pesquisar!). Segundo, porque a Igreja estava dividida entre a do Ocidente e a do (Império Romano do) Oriente -a atual Igreja Ortodoxa, naquele tempo a Igreja Bizantina.
O uso de uma única linha melódica, cantado naquelas catedrais góticas, deveria ser lindo. Imagine que você está na catedral de Notre Dame (a de Paris ou a de Rouen, tanto faz), com aquela acústica estupenda. O mundo lá fora está quieto e um padre reza a missa em latim (não dá pra entender nada, mas é santo e é bonito). Então, uma oração, como a Ave Maria, é cantada por um coro masculino, todos cantando a mesma melodia ao mesmo tempo. Depois, um verso é cantado por um solista, até o coro retornar (responsório). A música e a missa acabam, e apenas os ecos permanecem. Acredite, isso fazia muita gente ir à igreja - na verdade, era essa a intenção!
De volta para o futuro! Está tarde e eu não posso falar tudo sobre história da música medieval. Mas aqui está uma pecinha para vocês ouvirem. Explico depois. Até mais!
Clique aqui!
aqui está um CD do L'Hespérion XX (que eu simplesmente AMO <3). Não se trata de cantochão mas eu tenho certeza de que você vai querer saber o que é. Então fica pra depois: saltarelli, estampies... danças medievais!
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